25 de abr. de 2010

Os ovos e nós - Eu em 1999



Revendo antigos papéis, encontrei um texto que escrevi em 1999. Ao lê-lo, percebi o quanto distante e diferente estou, daquela Helba de nove anos atrás. Escrever coisas é a melhor forma de demonstrar nosso estado de espírito.  Hoje, não teria melancolia suficiente para escrever o que escrevi, mas na época, me lembro bem, era muito real em mim e na minha vida, o que escrevi aí.


Os Ovos e Nós

Outro dia eu estava falando sobre o final de um dos meus filmes prediletos, Annel Hall (Noiva Nervosa, Noivo Neurótico; ou vice-versa), de Woody Allen. Ah, com tanta riqueza, tanta intensidade, a dificuldade de um relacionamento. No final, o protagonista (ele, claro: Wood) fala sobre os relacionamentos. E usa uma parábola psicanalítica.

É mais ou menos assim: um homem que acredita botar ovos vai ao psicanalista.  Este, tenta convencê-lo do absurdo que é pensar que bota ovos. O  homem até concorda, mas diz que não vai mudar.  Por quê ? pergunta o psicanalista. “Porque não posso viver sem os ovos”. Os ovos, no final do filme, fazem as vezes dos relacionamentos. A gente sabe que são absurdos, mas não consegue  viver sem eles.

Trocando em miúdos, o que eu queria falar com toda essa  volta cinematográfica “cult”, é  da dificuldade dos relacionamentos. Minha mãe com toda  sua simplicidade, mas com uma sabedoria adquirida com o passar dos anos, uma vez disse o seguinte: “Uma das razões pelas quais nos desiludimos tanto na vida é que nos iludimos demais”. Simples e irretocável, como tudo que ela fala. Aquilo vale para tudo: ilusões demais, desilusões demais. Nas relações amorosas a coisa é extremamente assim.

Costumamos iniciar cada romance com a expectativa de um conto de fadas, em que todos terminam felizes para sempre, todos somos eternamente princesas e príncipes. Queremos que o outro  resolva todos os nossos problemas, todas as nossas frustrações. Que preencha todos os nossos vazios. Que nos suportem por obrigações de consciência, leis, famílias, sociedade, dinheiro, amigos, (some-se aí  mais uma avalanche de coisas que  se que se eu for citar, vou ficar parecendo amarga e muito insensível . E definitivamente confesso que sou extremamente sensível para o assunto amor) .

Eu diria o seguinte: um bom passo para tentar uma relação melhor é diminuir as expectativas. Contos de fada não existem.  Parecido com contos de fadas, existem romances divertidos, intensos e marcantes. Que não precisam necessariamente durar uma vida inteira. Enquanto durar o amor de verdade acompanhado com todos os seus acessórios,  que faço questão de enumerá-los, pois adoro todos... respeito, paixão, tesão, humor, companheirismo, disponibilidade, sensibilidade, cartas e mais cartas,  telefonemas aos montes, surpresas e mais uma monte de coisas boas que só o amor proporciona.....que dure 06 meses,  pois já valeu a pena.  Pretensões menores geram decepções idem. Quando escuto uma pessoa dizer que está vivendo um verdadeiro conto de fadas, pressinto logo o tombo. Raramente me enganei.

Calma lá. Não estou fazendo uma ode à acomodação ou descrença no amor. Não estou sugerindo a ninguém que deixe de sonhar com um príncipe ou princesa, muito menos  pule de galho em galho ou ciscando em vários terreiros ao mesmo tempo como um devasso (a). Apenas estou sugerindo que a dose  de expectativa seja razoável. Razoável quer dizer: que caiba dentro dos limites da razão. Não da ilusão.

O resto é tentar. Considero “tentar”,  um dos verbos mais lindos do idioma, denota esforço, sacrifício, combate, coragem. Mais de uma vez já pedi aos meus que vão ficar, após minha partida para o lado de lá,   que em meu epitáfio seja cravado em letras grandes: “H. Otoni – ela tentou”. Tentar, tentar e  tentar, ainda que tantas vezes, em certas noites escuras e de insônia - como hoje, tenhamos vontade de dizer: chega. Mesmo porque – bem, nós não podemos viver sem os ovos, podemos?

Belo Horizonte 30 de maio de 1999.

Dedico este texto ao meu amigo Carlos Eloi, que infelizmente nos deixou em 2001. Na época que foi escrito, foi o primeiro a ver.

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